Rodeada de dúvidas e preconceitos, a pauta acerca da descriminalização da maconha para consumo pessoal costuma levantar uma série de questionamentos acerca do que, de fato, está em voga no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e quais seriam os principais impactos disso na sociedade atual.
Antes de mais nada, importante frisar que o debate não gira em torno, por exemplo, do tráfico de drogas e nem no ato de legalizar a maconha ou qualquer outro entorpecente. Para isso, seria necessária uma lei criada por deputados no Congresso Nacional, não cabendo ao Poder Judiciário tal responsabilidade.
Em conversa com o Portal A TARDE, o advogado e ativista Erik Torquato explicou melhor o processo que está sendo julgado no STF e ainda contextualizou que a discussão teve o ponto de partida há quase 20 anos, com a instituição da Lei das Drogas, que foi sancionada em 2006.
"O que está sendo julgado é a constitucionalidade da criminalização do usuário, que é justamente uma análise de compatibilidade do artigo 28 da Lei de Drogas com a constituição naquilo que protege a intimidade e a liberdade individual. Dessa maneira, o Supremo está analisando, no recurso extraordinário, se a criminalização dos usuários é compatível às garantias constitucionais estabelecidas no artigo 5º. Esse é o objeto do recurso da Defensoria Pública", afirmou Torquato.
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal, todas as pessoas são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Erik Torquato, advogado e ativista| Foto: Arquivo Pessoal
Presidente da associação Cannab, que atua em pesquisa e desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil, Leandro Stelitano explica que aprovar a pauta da descriminalização significaria retirar da esfera jurídica o dever de julgar a pessoa que esteja até uma determinada quantidade de maconha.
"O entendimento é que a quantidade para o porte e uso está em 60 gramas [...] Com a descriminalização através da quantidade que o STF vai definir, você agora não vai ser mais penalizado na esfera judicial. Você vai ter uma sanção administrativa, onde gera uma questão de saúde pública e não mais de prisão", pontuou Stelitano. Pelo julgamento que está em curso no Supremo, a quantidade analisada pelos ministros varia entre 10 e 60 gramas. No entanto, cinco deles propuseram o máximo como permitido para diferenciar usuário de traficante. Apenas André Mendonça optou pelo mínimo, enquanto Cristiano Zanin e Kassio Nunes Marques votaram por 25 gramas.
Na análise do advogado Erik Torquato, estabelecer limite objetivo de quantidade para diferenciar usuário de traficante pode impactar muito positivamente na questão da criminalização da população mais vulneráveis.
"Aquelas pessoas que são presas com pequena quantidade de droga, teria que ter uma prova mais robusta para condená-los como traficante, se essa posição permanecer e for confirmada. Isso pode implicar também em uma revisão criminal daqueles que eventualmente estão condenados com base apenas no depoimento do policial, em provas relativas à quantidade da substância, sem uma outra prova que garanta certeza da condenação do tráfico", detalhou o advogado.
Leandro Stelitano segue na mesma linha em afirmar que o processo de criminalizar o consumo da maconha afeta, em sua grande maioria, as pessoas menos favorecidas da sociedade, compostas majoritariamente por pessoas pretas.
"Com a descriminalização, você despenaliza a população, a maioria preta e de baixa renda, que mora em comunidades, porque esses que são penalizados com o uso da maconha. Se você tiver uma abordagem em um bairro de classe média alta, é algo totalmente diferente do que está acontecendo hoje", completou o presidente da Cannab.
Leandro Stelitano, presidente da associação Cannab| Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE
Votos dos ministros
O julgamento teve início em agosto de 2015, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, quatro anos antes, o ministro Gilmar Mendes foi sorteado relator do Recurso Extraordinário, em fevereiro de 2011.
Na ocasião, a repercussão do caso de um homem que foi condenado por portar três gramas de maconha também colaborou para que se começasse a discussão na Corte.
Primeiro a votar, o relator Gilmar Mendes foi a favor da descriminalização do porte e uso, alegando que a criminalização estigmatiza o usuário e é desproporcional, além de infligir o direito à personalidade e ser ineficaz no combate ao tráfico de drogas.
Logo na sequência, Fachin pediu vista para analisar a ação, mas, cerca de um mês depois, votou favorável a descriminalização e definiu quantidades mínimas de droga, a fim de facilitar a diferenciação entre traficante e usuário.
Na mesma sessão, o ministro Luís Roberto Barroso votou da mesma forma que Fachin e colocou o placar em 3 a 0. Barroso propôs, ainda, um limite de 25 gramas de maconha ou de seis plantas para que alguém possa ser caracterizado como usuário.
Após a sessão em setembro de 2015, o caso passou por um longo período de inatividade. Além disso, o ministro Teori Zavascki, que havia pedido vista, faleceu em janeiro de 2017, após um acidente aéreo no Rio de Janeiro.
Quase oito anos depois do último voto, o julgamento foi retomado em agosto do ano passado. Substituto de Teori, Alexandre de Moraes também se posicionou a favor da descriminalização do porte de maconha.
Mesmo se aposentando em setembro de 2023, Rosa Weber antecipou seu voto e se posicionou favorável. Ela foi substituída pelo ministro Flávio Dino, que não votará neste julgamento.
Ainda na mesma sessão, Cristiano Zanin votou contra a descriminalização. Na sequência, André Mendonça pediu vista e, na última quarta-feira, 6 de março, se juntou a Zanin com posicionamento contrário à pauta.
No mesmo dia, Kássio Nunes Marques acompanhou Zanin e Mendonça, com o voto contrário a descriminalização. Dessa forma, o placar do julgamento está em 5 a 3, com a necessidade de apenas um voto favorável para forma maioria na corte.
Ainda restam os votos dos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Carmen Lúcia, para completar os 11 ministros do STF. Após o voto de Nunes Marques, Toffoli pediu vista, alegando necessitar de mais tempo para analisar o tema. Com isso, o julgamento foi novamente paralisado, podendo retornar em até 90 dias.
Fonte: A Tarde